Agora que o corso carnavalesco passou, achei de bom-tom falar-vos de dois ícones da minha infância: de um gordo detestável, o professor Silva, e de outro impertinente, mas não menos fedorento, o mítico peidinho-engarrafado. Para quem não sabe do que estou a falar, o que acho uma falha grave, o peidinho-engarrafados, também há quem lhes chame bombinha de cheiro, é um recipiente minúsculo de vidro contendo um líquido amarelado, que depois de partido exalava um fedor característico, capaz de derrubar qualquer elefante no auge da sua opulência! Eu nunca entendi muito bem qual era o objectivo daquilo. Porquê gastar dinheiro e tempo se afinal até estamos equipados de intestinos e rabo, e os peidos já vêm pré-fabricados pela mãe natureza! Mas quem o fazia pelos vistos retirava gozo em observar reacções dos outros às suas partidinhas de carnaval...
Mas vamos ao que me interessa.
Mas vamos ao que me interessa.
Estávamos no último ano da década de 70, e eu frequentava o ciclo preparatório no colégio, o Externato Camões em Rio Tinto. Soou o toque de entrada para a aula seguinte, a de Matemática. Um breve silêncio se gerou à chegada ao corredor do indescritível, adiposo e carrancudo, professor Silva. Hirto e autoritário, enxotava com a barriga quem não se desviava do seu caminho, para a sala de aula que naquela manhã seria leccionada no laboratório de química. No meio daquele emudecimento, um burburinho de risos acompanhava a sua passagem. Quase de seguida chegou-me a mostarda ao nariz. Um dos meus colegas de turma resolveu lançar um desses peidinhos-engarrafados para o chão, cujo odor empestava já todo o espaço. Antes de rodar a chave, o profe esticou a cabeça, arregalou os olhos e torceu o nariz. Vai haver bronca, pensei. Mas não! Manteve-se sério, voltou-se, abriu a porta e fechou-a depois de todos terem entrado ordenadamente. Sentou-se à secretária, fez a chamada em voz alta e ditou o sumário. Eu sabia que aquele comportamento tranquilo e sereno não era bom sinal, mas relaxei, pois o vento parecia soprar a nosso favor. Levantou-se de seguida e escreveu um exercício dos mais difíceis no quadro negro.
- Quero o exercício resolvido em trinta minutos, disse secamente. Conta para a vossa nota.
Um silêncio sepulcral instalou-se naquela turma.
O profe Silva era um acérrimo militante do Partido Comunista e da doutrina soviética de Brejnev. Era dos que insistia em ser o castigo físico a melhor forma de impor disciplina. E impunha-a. Aos distraídos dava piparotes nas orelhas, eu que o diga, e distribuía cachaços na nuca dos faladores, isto só na coacção e prevalência do medo. É que se metia a mão a sério, deixava um puto dias a fio com o corpo dorido. Noutras alturas dava-lhe para o pacifismo e outro tipo de experiências, de pequenas torturas, o que foi o caso dessa manhã.
Circulando com as mãos atrás das costas, vigiava o nosso esforço mental. Em passos lentos, foi-se chegando para o fundo da sala, para a zona de laboratório. Ninguém arriscou olhar para trás quando se ouviu o tilintar de frascos e tubos de vidro. Pôs-se a cantarolar. Não resisti e discretamente espreitei e vi-o a preparar um cocktail misterioso.
- Hei, hei... virados para a frente, disparou num ralhete.
Assim que terminou, confirmou se as janelas estavam fechadas, abriu um sorriso malicioso ao mesmo tempo que nos ordenava continuar a tarefa, sem barulho, e que estaria de volta a qualquer instante. Abriu a porta e saiu. Depois a dúvida instalou-se mas seria rapidamente dissipada. O gás foi abraçando a atmosfera da sala, invadindo as narinas de uma forma brutal. O fedor era mil vezes pior do que o do correspondente peidinho lançado ao seu caminho minutos antes. O solução do resultado da mistura de um ácido qualquer com uma pedra de enxofre no interior de um boião de laboratório era mesmo parecido!
Atordoados com o cheirete, instalou-se a confusão. Quem tinha lenços recorreu a eles para aliviar a agonia, quem não tinha agitava as mãos à frente do nariz ou girando como um pião os braços sobre a cabeça. Passados dez minutos, para o seu deleite, o sacana do profe voltava à sala para ver a reacção inversa nos alunos, visto que a bombinha de destruição maciça foi testada bem à sua maneira.
- E escusam de fazer essas caras. Fiquem a saber que também sei brincar e que a vingança fede.
Mufamos o resto da aula dentro da sala, com as janelas fechadas, a respirar aquele ar nauseabundo. E as partidas de carnaval não passavam disso, inocentes, numa época ideal para um álibi perfeito, das bisnagas, bombinhas, estaladinhos, etc, etc... mesmo que não agradasse aos professores.
- Quero o exercício resolvido em trinta minutos, disse secamente. Conta para a vossa nota.
Um silêncio sepulcral instalou-se naquela turma.
O profe Silva era um acérrimo militante do Partido Comunista e da doutrina soviética de Brejnev. Era dos que insistia em ser o castigo físico a melhor forma de impor disciplina. E impunha-a. Aos distraídos dava piparotes nas orelhas, eu que o diga, e distribuía cachaços na nuca dos faladores, isto só na coacção e prevalência do medo. É que se metia a mão a sério, deixava um puto dias a fio com o corpo dorido. Noutras alturas dava-lhe para o pacifismo e outro tipo de experiências, de pequenas torturas, o que foi o caso dessa manhã.
Circulando com as mãos atrás das costas, vigiava o nosso esforço mental. Em passos lentos, foi-se chegando para o fundo da sala, para a zona de laboratório. Ninguém arriscou olhar para trás quando se ouviu o tilintar de frascos e tubos de vidro. Pôs-se a cantarolar. Não resisti e discretamente espreitei e vi-o a preparar um cocktail misterioso.
- Hei, hei... virados para a frente, disparou num ralhete.
Assim que terminou, confirmou se as janelas estavam fechadas, abriu um sorriso malicioso ao mesmo tempo que nos ordenava continuar a tarefa, sem barulho, e que estaria de volta a qualquer instante. Abriu a porta e saiu. Depois a dúvida instalou-se mas seria rapidamente dissipada. O gás foi abraçando a atmosfera da sala, invadindo as narinas de uma forma brutal. O fedor era mil vezes pior do que o do correspondente peidinho lançado ao seu caminho minutos antes. O solução do resultado da mistura de um ácido qualquer com uma pedra de enxofre no interior de um boião de laboratório era mesmo parecido!
Atordoados com o cheirete, instalou-se a confusão. Quem tinha lenços recorreu a eles para aliviar a agonia, quem não tinha agitava as mãos à frente do nariz ou girando como um pião os braços sobre a cabeça. Passados dez minutos, para o seu deleite, o sacana do profe voltava à sala para ver a reacção inversa nos alunos, visto que a bombinha de destruição maciça foi testada bem à sua maneira.
- E escusam de fazer essas caras. Fiquem a saber que também sei brincar e que a vingança fede.
Mufamos o resto da aula dentro da sala, com as janelas fechadas, a respirar aquele ar nauseabundo. E as partidas de carnaval não passavam disso, inocentes, numa época ideal para um álibi perfeito, das bisnagas, bombinhas, estaladinhos, etc, etc... mesmo que não agradasse aos professores.
10 comentários:
Digo-te, mesmo professando essa doutrina tão radical e parecendo ser um tudo nada violento, o tal professor esteve a um nível elevadíssimo!
Se fosse hoje, o prof teria um processo disciplinar e os alunos receberiam uma indemnização...
Só eu é que apanhei profs q atiravam giz e apagadores...
Esse homem parece ser maquiavelicamente mordaz, portanto o candidato perfeito a detestável, mas ensinou-vos uma lição valiosa. :)
Sem fabôre...digo que é uma pena não teres espaço no "Fotopedaladas", para se poder comentar...
Atõu nõu queres que falem da "nossa" Ponte D. Luis???))
Bjo
Janita
Aqui ele esteve de facto, Rafeiro, mas foi caso raro.
Como sabes Carlos nesses tempos esta forma "educativa" era ainda muito apreciada.
Olá Helena, seja bem-vinda no gabinete.
Ahah, esse e outro professor execrável eram também adeptos desse desporto nas salas do colégio. E eu fui alvo várias vezes, até da sua má pontaria.
Olá Janita, seja bem-vinda no gabinete.
Tem razão, deixei o "fotopedaladas" no esquecimento e não lhe dei a devida atenção. Terei de rever isso. Mas se quiser pode dar uma volta na bicicleta e ver o Porto de uma forma diferente .
À época dos factos, o sistema de ensino era ainda baseado num ambiente repressivo e intimidadotório, professado por alguns dos profes mais antigos, sempre no íntimo da sala de aula. Não me esqueço do dia em que eu não quiz estar na pele de um colega quando este viu de repente o quadro negro aproximar-se dolorosamente da sua testa. Ele estava há minutos ali especado, sem saber dar uma solução ao problema matemático. Veio o ralhete do professor, o rapaz respondeu torto e num apice estava com a testa a colidir na ardósia fria do quadro. O prof terminou "aconcelhando-o" a dizer em casa que se tinha magoado no recreio!
Tenho para mim que apesar das qualificações/habilitações há professores a quem nunca devia ter sido permitido leccionar! Nem no passado, nem actualmente! Esse parece ser um de vários casos... :S
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