sexta-feira, fevereiro 25

como um peixe fora de água

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Um dia foi pescador, quando ainda morava em Kélibia, uma aldeia branca e solarenga na costa mediterrânica da Tunísia, de onde saiu fugido das maledicências de um regime opressor e de uma sociedade inconformada.

Numa noite de Janeiro, Habib embarcou no pequeno barco de um estranho amigo, por oitocentos Dinar. Consigo, uma dezena de homens atravessaram o Mediterrâneo e desembarcou clandestino, oito horas depois, na costa italiana, para o início de uma nova vida, uma nova sobrevivência, num novo lugar onde provavelmente também seria indesejado, ou com sorte, até tolerado.

Esse renascer é sequela do maldito dia em que apenas ele sobreviveu ao naufrágio do pesqueiro que matou os seus três companheiros. O mar revolto, ao largo da Pantelária, quis que fossem eles e não a si. Devolveu-o à terra para sua desgraça. As viúvas de Kélibia não lhe perdoaram esta vitória. Menos por ter sido ele e não um de seus maridos o sobrevivente, mais pela própria fortuna que a sua fé exprimia. Privilégio de qualquer forma. Excluindo-se de algum modo por não ter sido acolhido pelo mar que o alimenta. A água salgada, o sustento daquela gente sofrida e que lhe ditara as leis durante a vida. Era um homem só e, por isso, mesmo que morresse não haveria viúva que chorasse por si.

Ao cruzar aquela imensidão azul, sem perspectivas e à sua sorte, ele decidiu que seria a última vez que navegava. Hoje, Habib vagueia pelas vilas da Sicília. É mais um entre os refugiados que sobrevivem da caridade humana e parou de sonhar que um dia morreria no mar.


6 comentários:

Teté disse...

Isso se alguns europeístas não conseguirem os seus intentos e o recambiarem de volta para a sua terra... :S

Bom fim de semana!

Rui disse...

Curioso falares em Pantelleria ! Pertencente à Sicília, uma ilha a caminho da Tunísia, donde quase se avista.
Daí bebi um dos melhores vinhos que já bebi ! É o "Moscato de Pantelleria". As uvas, casta zibibbo (tipo moscatel) são deixadas a secar ao sol e ao vento em eiras, durante o tempo suficiente para ficarem “passas”. Nessa altura é que é feito o vinho, um néctar dos Deuses !

Esse tipo de emigração é uma constante dos países africanos para as costas italianas, com uma grande percentagem de sucesso !
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Catarina disse...

Este texto faz-me lembrar o filme que vi no fim de semana passado que ainda hoje me incomoda: “Biutiful”: a exploração dos ilegais norte africanos e orientais – para além de outros dramas e tragédias.

ematejoca disse...

Olá amigo!

O inverno voltou e o meu sistema humonológico foi a baixo.
O meu político preferido é um charlatão.
Vim aqui para me rir, pois pensava que se tratava de uma anedota de fim-de-semana.
Afinal, um texto muito comovente. Bem escrito, não haja dúvida, mas triste, verdadeiramente triste.

Saudações e bom fim-de-semana!

Anónimo disse...

Uma bela história sobre os dramas da imigração.
Bom fds

Kok disse...

Lindo texto! Obrg.

Akele abraço pah!