Adolescia em meados dos oitentas, no ano do pensamento de Orwell. Alternando os meses de Verão, pois assim exigiam as férias do meu pai, ano após ano a família Almeida enchia o 127 de gáudio e bagagens e abalava estrada fora. Viajávamos por onde calhasse numa incessante e activa curiosidade lusitana. Em antecedentes jornadas por caminhos de Portugal, armávamos barraca e nos banhávamos de sol e mar nos parques e praias do Algarve. Poucos dias antes de uma nova e longa viagem para sul, um acidente sem outras consequências alarmantes, a não ser o Fiat ter ficado de baixa numa oficina, quis a circunstância que fosse alterado todo o plano de veraneio. Mantivemos firme o nosso propósito de espraiar e fomos parar a uma localidade com mar, pinhal, campismo e autocarro mesmo à porta. Descobrimos em Gaia a Praia da Madalena. Nunca antes havíamos sequer ouvido falar desse lugarejo mesmo às portas da cidade, marejado pelo oceano, pela nortada e por bandos de turistas de todas as partes. Passámos um Setembro descontraído, divertido e conquistámos boas amizades. O parque, a praia e toda la mobida invadiram de tal forma os nossos corações que no ano seguinte, em Junho, voltámos e lá acampámos. Espreitando pelos pinheiros, entrevia-se uma pequena casa branca que nos apaixonou e um par de meses depois juntámos os tarecos e fizemos a mudança para a nova moradia que nos haveria de alterar definitivamente o rumo de vida. É para lá que ainda hoje aligeiro a pedalada e recebo com satisfação os graciosos sorrisos paternais.
Tudo começou numa longa troca de olhares. Deitados na areia, aquecida pelo sol de Agosto, na praia onde tudo acontecia. Na verdade, desde a primeira vista que andava enfeitiçado pelo seu rebelde e encantador olhar, só que as coisas levavam um certo ritual que, por mais que queiramos, não se cumpre mais. Aos poucos foi ficando sério, ela de lá me encantando, eu de cá com o meu silêncio, só os olhares se cruzando e a minha cara de tédio pelos comentários dos amigos gozões. E foi ali, naquele domingo ao sol, com a pele salgada e arrepiada pelos cabelos molhados, que tudo começou. As conversas tímidas foram substituídas por beijos enamorados. O que era uma boa amizade virou cumplicidade, afecto e amor. Logo ali o meu coração sussurrou que haveria de se apaixonar por muito tempo. E o nosso livro continua a ser escrito. No dia seguinte foi com uma mesma cara de parvo, mas com a namorada no pensamento, que me apresentei no Quartel de Espinho para porfiar uma outra etapa do obrigatório serviço militar.
Foi na Praia da Madalena que vivemos momentos inesquecíveis, naquele areal coberto de algas pela maré vaza, rodeada de rochas forradas a iodo, com o Titanic dos automóveis que descansava no mar e decorava o horizonte, muitos amigos e turistas de todas as partes que conhecemos, dias e noitadas de festa que há muito terminaram. A praia já não é a mesma, mudou bastante desde esse tempo. Para além das rochas, da nortada e das águas frias, resta pouca areia e lembranças de maravilhosos momentos convividos em todas as estações do ano. E já lá vão 24 enamorados anos. Feliz aniversário amorzinho.
Conhecido o meu lado dengoso e a minha mania estranha de não respirar para contar coisas passadas, esta foi a minha participação ao convite endereçado pelo Carlos, para que cada participante escrevesse sobre a “praia da sua vida”. Eu não poderia ter feito outra escolha.
(Poste agendado. Ainda a recuperar da fantástica pedalada a norte)
12 comentários:
Olá Paulo
Espero que esteja a correr bem a tua viagem velocipédica até Santiago, provavelmente percorrendo os mesmos caminhos que trilhei há uns anoas a pé.
Agradeço-te uma vez mais a participação no desafio e, quando regresares ao nosso Porto tens à tua espera no CR uma garrafa de champagne para partilhares com o amor da tua vida. Na praia da tua vida, claro...
Um forte abraço
Belas memórias.
Este amor não ficou enterrado na areia como tantos outros!
Obrigado pelo brinde Carlos. Já regressei de Santiago. Ter percorrido os caminhos de Santiago em bicicleta foi para mim mais fácil. Desse modo foi possível completar a viagem em 3 dias e assim suavizar a peregrinação mas percebi que não foi tão proveitoso no aspecto de conhecer melhor os locais e monumentos. Pelas conversas que fomos tendo na viagem com os peregrinos que fomos encontrando pelo caminho percebemos que é muito mais difícil mas ao mesmo tempo mais satisfatório percorrer esses caminhos a pé.
Um forte abraço Carlos.
Obrigado pela visita e pelas suas palavras Rosa.
Cumprimentos
Gostei deste post, uma história de amor em cenário de praia.
Beijos.
Paulo, do que te foste lembrar o “Reijin”!!!
Para nós, que vivemos intensamente o momento na madrugada de 26 de Abril de 1988, o encalhe do “Reijin” remete-nos para uma das “Frases de Engate” mais oportunista que me lembro, na nossa Praia da Madalena, quantos de nós não teremos dito “Queres ir ver o Barco?”.
Este acidente, em frente ao “Térinha”, deu lugar ainda a uma piada de extremo mau gosto; “Compre um Toyota, ganhe uma lagosta!”
Abraço
Um belo texto, uma bela história, uma bela praia e uma bela banda sonora. Parabéns!
Um belo texto, uma bela história, uma bela praia e uma bela banda sonora. Parabéns!
Parece que às vezes não é preciso ir-se longe para se ter umas boas férias. Uma das mais divertidas (e atribuladas) férias que tive passaram com os amigos num parque de campismo quase aqui à porta, em Árvore. Mas essas férias que descreves ainda tiveram mais impacto ehhehe a mudança de casa e toda a alteração de quotidiana que acarreta. Um boa narrativa :)
Abraços
Não conhecia a praia nem de nome, mas gostei imenso destes teus recuerdos da "praia da tua vida", aliados ao amor da tua vida...
Há momentos assim, em que seguirmos numa direcção diferente da habitual, muda completamente o nosso rumo! :)
:))
Lembro bem de termos ido espreitar esse barco, eu e os meus pais craro : )) na altura ainda n eramos vizinhos, ainda eu estava do outro lado da ponte. As minhas histórias de praia foram vividas em salgueiros/estrela do mar, a alguns metros (larggos) da madalena. Afinal sempre andamos perto, já se adivinhava a "boa vizinhança" ;))) O mundo ás vezes é tum quenino né bizinhu??
Besuuuus para a linda da protagonista da tua história de lembrança veraneante, a minha histórinha é mais radiofónica LOLOL
besuuuuuuuuuuuus pa tu da lua
Uma grande beijoca para a tua jove! Quanto à praia da tua vida, não podias ter arranjado uma menos revoltada? ;)
Abraço!
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