terça-feira, abril 7

ferida

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Uma noite como tantas outras e a cidade que dorme, aqui e ali sobressaltada por gatos e pássaros num louco frenesim. Apesar de toda esta agitação, só se ouve o silêncio, um alarme proveniente do poderoso som do vento, como palavras que se sobrepõem umas às outras, ganhando velocidade e descontroladas inundam numa dimensão cada vez maior, cada vez mais grave. Por vezes há avisos subtis que permitem permanecer em alerta, ou reagir e fugir enquanto há tempo! De um momento para o outro um tremor aparece do nada, o chão parece falhar e balança debaixo dos pés como se tudo estivesse sobre um baloiço gigante. As paredes embalam-se perigosas e o tecto faz companhia ao movimento do chão. Qual monstro adormecido, subitamente acordado pelo bater de asas de uma borboleta, reage explosivamente e, sem apelo nem agravo, destrói violentamente tudo à sua volta. Os alicerces tremem, os sonhos são arrasados. São ruas desertas de pessoas e inundadas de uma multidão de destroços. A imprevisibilidade, a inevitabilidade, a morte. A dureza das consequências deixa-nos sem ar, como se nos atingisse em cheio com um murro no estômago. E o penoso tempo vai passando, sentindo e tentando ignorar as réplicas que, apesar de não terem a mesma intensidade, estremecem o temor mas não a esperança. A revolta da terra vai passar. Restará arrumar as palavras que se espalharam, que flutuam e balançam como se fossem as penas perdidas de uma almofada rasgada. Não se sabe o tempo que demorará a repousar a poeira da emoção sobre o chão de sofrimento. Fica um momento na vida, como se tudo tivesse acontecido, imaginário, abstracto. Desabada a serenidade, arrumada a um canto da vida, permanece à espera que a memória a solte e feche a ferida que se abriu no coração.


Katie Melua - I Cried For You


10 comentários:

Si disse...

Perante a força e a fúria da Natureza, nada mais resta ao Homem senão render-se à forte evidência da sua frágil mortalidade...
e aos que dela escaparam, homenagear, com gestos práticos, aqueles que não o conseguiram...

Gi disse...

E quando a Natureza se revolve e o seu coração se parte faz imensos estragos.

Almeida (pai) disse...

Não te lembras,mas já passaste por esse susto.Fugiste para a rua ao cólo da tua mãe.

Um abraço

paulofski disse...

Tens razão pai, desse eu não me lembro, no entanto já passei por alguns mas felizmente leves sustos.

Abraço

mariam [Maria Martins] disse...

Paulo,

e.. nem com estes 'lembrete' que a Natureza vai dando o H se compenetra da sua irremediável pequenez!

Uma Páscoa Feliz!
um abraço e o meu sorriso amogo :)
mariam

mariam [Maria Martins] disse...

errata: 'amigo'

...tenho estado a ouvir k.Melua, que adoro!

e... obrigada!p'las palavras deixadas :)

Inês Brito disse...

A agonia de não ter para onde fugir toma conta de nós e o pânico instala-se mais rápido do que aquilo que se espera.

Bj,
(i)

Kok disse...

Eu tenho sempre presente um pensamento, ao mesmo tempo um desejo:
Se acontecer, espero estar na rua!

Vera disse...

Eu tenho medo :S
Não penso nisto obssessivamente, mas quando vejo acontecer tão próximo...fico com um friozinho na barriga, confesso!
Bj

PB disse...

Prefiro nem pensar...