Distraída e impetuosa, agita o espanador sobre uma camada de livros onde está um livro intitulado “Guerra de Paz”, outro de nome “O Som e a Fúria”, um outro a que chamaram de “Ilíada e Odisseia”, e ainda outro cujo título são “As Vinhas da Ira”. Quase perdeu o fôlego. Sem conter o olhar, resvalou os dedos por abas descoloridas: “Orgulho e Preconceito”, “Cem Anos de Solidão”, “As Viagens de Gulliver”, “Rumo ao Farol”, “Lolita”... Então ela parou, maravilhada de que tão belos livros estivessem ali, alinhados naquela prateleira, naquela sala, naquela casa na qual passara tanto tempo. Deslumbrada que obras tão admiravelmente doces, terrivelmente verídicas, ali estivessem, a meio palmo do seu enfadado nariz e das suas conturbadas retinas, entre o odor do café e o timbre húmido do mofo, entre o caruncho do tempo e a candura da saudade... Mas saudade de quê, se não os vivera. Fascínio da aventura e bisbilhotice se era o que mais lhe apetecia. Assim, esquecendo a janela aberta, largou o espanador, desceu a escada e saiu à procura da vida. Não em busca do tempo perdido, do que tudo o vento levou. Apenas descuidada, distraída como uma alma errante, como se uma história quisesse ser sentida, como se toda a vida quisesse ficar contida, num só livro.
DELITO há dez anos
Há 2 horas
1 comentário:
As bibliotecas têm esse fascínio, como um mundo de histórias inesgotável que não queremos deixar de conhecer... :)
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