quinta-feira, janeiro 14

ferida

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Uma tarde como tantas outras e a cidade que sobrevive, aqui e ali sobressaltada por gatos e pássaros num louco frenesim. Apesar de toda esta agitação, só se vive o quotidiano e nem um alarme proveniente do poderoso som do vento, trovão de sinais que se sobrepõem uns aos outros, faz esquecer a pobreza, a instabilidade política, a economia destroçada e a permanente guerrilha de um país que vive numa dimensão cada mais grave. E de um momento para o outro um tremor aparece do nada, o chão parece falhar e balança debaixo dos pés como se tudo estivesse sobre um baloiço gigante. As paredes embalam-se perigosas e o tecto faz companhia ao movimento do chão. Qual monstro adormecido, subitamente acordado pelo bater de asas de uma borboleta, reage explosivamente e, sem apelo nem agravo, destrói violentamente tudo à sua volta. Os alicerces tremem, os sonhos são arrasados. São ruas desertas de pessoas e inundadas de uma multidão de destroços. A imprevisibilidade, a inevitabilidade, a morte. A dureza das consequências deixa-nos sem ar, como se nos atingisse em cheio com um murro no estômago. E o penoso tempo vai passando, sentindo e tentando ignorar as réplicas que, apesar de não terem a mesma intensidade aumentam o medo. Milhares de pessoas desalojadas, feridas e sem saberem dos seus familiares vagueiam pelas ruas no meio do caos, dormem ao ar livre e enquanto não chegam as equipas de salvamento escavam com as próprias mãos na ânsia e esperança de encontrar os que continuam soterradas nos escombros. A revolta da terra vai passar. Restará arrumar as palavras que se espalharam, que flutuam e balançam como se fossem as penas perdidas de uma almofada rasgada. Não se sabe o tempo que demorará a repousar a poeira da emoção sobre o chão de sofrimento. Fica um momento na vida, como se tudo tivesse acontecido, imaginário, abstracto. Desabada a serenidade, arrumada a um canto da vida, permanece à espera que a memória a solte e feche a ferida que se abriu no coração.

Reposição e adaptação de um texto com o mesmo título e por mim publicado aqui no ano passado.


7 comentários:

Patti disse...

Sem palavras para o que aconteceu no Haiti. Só mesmo estas tuas...

Teté disse...

Esses fenómenos naturais são aterradores, nunca entendemos completamente o horror vivido por tanta gente, despojada de tudo...

Beijocas!

FM disse...

2012?
Abraço.

Sandra. disse...

:))

como eu keria exprimir o q sinto sobre estas enormes tragédias q vêm acontecendo Paulo. Fiko parada, inerte e a desfazer me por dentro.

E é o q vou continuar a fazer, manter me kieta a tentar perceber só um cadinhu do q uma desgraça destas faz na vida das pessoas :(

xinhinhuuuuuuuuuuus vizinho

ψ Psimento ψ disse...

Devo dizer que durante a minha demanda de hoje de blog em blog foi aqui que encontrei o texto do meu dia. Brilhantemente escrito, um reflexo da tua visão de um acontecimento que nos fez tremer a todos mesmo não estando directamente afectados. Também eu senti esse desconforto no estômago, essa impotência de poder remediar e um sentimento de que somos tão pequenos e mandamos em tão pouco…Um abraço.

Gi disse...

Sempre e sempre houve e haverá catástrofes naturais destas.
Mais trágico se torna em países onde viver, só por si, é já uma catástrofe completamente anti-natural.:(

Anónimo disse...

A maior desgraça dos haitianos, apesar de tudo, foi sempre terem tido uma vida desgraçada.