De todos os tipos de violência, a que é praticada em ambiente familiar é uma das mais cruéis e perversas. O lar, que é identificado como um local acolhedor e seguro, passa a ser um ambiente de constante perigo, palco diário de um estado de ansiedade e medo permanente. Envolta num emaranhado de emoções e relações afectivas, a violência doméstica mantém-se como uma sombra da nossa sociedade.
Tal como as vítimas, os agressores têm um novo perfil. Mais jovens, possuem alguma instrução e são socialmente bem estruturados, não necessariamente alcoolizados ou sob influência de drogas. Tanto pode ser o marido, o pai, o companheiro, o namorado, o ex-marido, o ex-companheiro ou o ex-namorado que não aceitou o fim da relação. Tanto podem ser homens ou mulheres. O agressor, no íntimo do lar, abusa da violência física, psicológica e até sexual sobre o conjugue, sobre os pais, os avós, os filhos, crianças e adolescentes. É um problema universal que atinge milhares de pessoas, não costuma obedecer a nenhum nível social, económico, religioso ou cultural específico, na maior parte das vezes é exercida de uma forma silenciosa e dissimulada, continuada, nem sempre denunciada por medo e vergonha, sendo as mulheres em larga escala as que mais sofrem. A pouca auto-estima, a dependência emocional ou material da vítima em relação ao agressor, são normalmente factores de aceitação, raras vezes conseguem desligar-se do ambiente opressor em que vivem e dificilmente procuram ajuda externa. Esta violência cobarde não tem necessariamente de deixar marcas físicas. Com o objectivo de ferir, a violência praticada por elementos da família tem mais impacto na questão psicológica, é caracterizada por rejeição, humilhação, discriminação, desrespeito e punições exageradas. Trata-se de uma agressão que não deixa marcas corporais visíveis, mas emocionalmente causa cicatrizes indeléveis para toda a vida onde, em muitos dos casos, o agressor faz com que a vítima se sinta culpada.
Em algumas sociedades, os homens vêem a violência como algo quase natural, como sinónimo da masculinidade, onde se institucionalizou que o homem é que manda! Pautam-se por tradições e preconceitos difíceis de alterar, de desfazer. Devemos fazer tudo para mudar estes comportamentos violentos, os agressores devem ser responsabilizados e julgados pelos seus actos e as vitimas podem e devem denunciá-los. Segundo a Organização Mundial da Saúde, um terço das mulheres de todo o mundo já sofreu agressões físicas ou sexuais dos seus parceiros. Tenham acontecido essas agressões durante a infância ou na idade adulta, correm riscos elevados de terem, ou virem a ter, problemas de saúde. A violência doméstica possui aspectos políticos, culturais, policiais, jurídicos mas é também um caso de saúde pública e os profissionais de saúde estão numa posição destacada para perceberem os sinais e colher as denúncias de forma a intervir, ajudar a combater este flagelo.
Um projecto europeu que está prestes a avançar para o terreno em oito países, financiado em um milhão de euros pela Comissão Europeia, vai ser liderado por uma equipa da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, coordenada por Henrique Barros. Chama-se DoVE
Uma nódoa negra ou um braço partido podem ser algumas marcas visíveis de um caso de violência doméstica. Mas, e o resto? "Não queremos o óbvio. Não queremos o braço partido. Queremos as formas mais subtis. Queremos perceber em que medida doenças para as quais nós não temos ainda um conhecimento exacto das suas causas podem estar relacionadas com situações de violência", explica Henrique Barros o coordenador do projecto DoVE. Querer perceber o que se passa na comunidade das "pessoas normais, pessoas como nós". Saber qual a frequência do problema da violência nos vários países europeus, possibilitar comparações e estabelecer uma relação mais ou menos directa com os problemas de saúde associados. Permitirá uma melhor percepção da expressão da violência de género, uma avaliação quantitativa da violência contra os homens, analisar o que se passa no mundo das relações homossexuais. As respostas podem trazer surpresas, mas, à partida, Henrique Barros espera encontrar valores elevados de violência nos mais jovens, mais homens batidos, demonstrar de uma forma científica e padronizada os efeitos na saúde, deparar com "poucas situações graves e muitas menos graves". Os dados do DoVE serão baseados em entrevistas a cerca de 800 pessoas de cada um dos oito países (Portugal, Suécia, Alemanha, Reino Unido, Bélgica, Espanha, Grécia e Hungria). "No limite, queremos mudar leis. Queremos melhores estatísticas para melhor saúde". Um exemplo? "Meter a questão da violência nas consultas. Da mesma maneira que existe a rotina de medir a tensão arterial, era bom que também nos inquirissem directa ou indirectamente sobre este tipo de situações. Uma pessoa não vai ao médico a dizer "bateram-me". Vai dizer que lhe dói a cabeça, o estômago. Vai hoje, não melhora, volta amanhã. Há um consumo maior de cuidados de saúde. Temos de começar a perguntar. Caso contrário, podemos perder uma parte de um problema e que pode ser vital." Abram a porta às equipas da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto que vão contactar pessoas entre os 18 e 64 anos que vivem no Porto, escolhidas aleatoriamente. "É importante que saibam que lhes vamos bater à porta para falar deste tema difícil, que nos recebam e respondam", sublinha Henrique Barros. O facto de a violência doméstica ser um crime público coloca um dilema. O que fazer perante uma pessoa que diz que é batida todos os dias? Ser cúmplice ou denunciar? Nenhuma das duas. Propor ajuda, todo o tipo de ajuda, é a solução. Assim, na pior das hipóteses, a ajuda pode bater à porta.
Uma nódoa negra ou um braço partido podem ser algumas marcas visíveis de um caso de violência doméstica. Mas, e o resto? "Não queremos o óbvio. Não queremos o braço partido. Queremos as formas mais subtis. Queremos perceber em que medida doenças para as quais nós não temos ainda um conhecimento exacto das suas causas podem estar relacionadas com situações de violência", explica Henrique Barros o coordenador do projecto DoVE. Querer perceber o que se passa na comunidade das "pessoas normais, pessoas como nós". Saber qual a frequência do problema da violência nos vários países europeus, possibilitar comparações e estabelecer uma relação mais ou menos directa com os problemas de saúde associados. Permitirá uma melhor percepção da expressão da violência de género, uma avaliação quantitativa da violência contra os homens, analisar o que se passa no mundo das relações homossexuais. As respostas podem trazer surpresas, mas, à partida, Henrique Barros espera encontrar valores elevados de violência nos mais jovens, mais homens batidos, demonstrar de uma forma científica e padronizada os efeitos na saúde, deparar com "poucas situações graves e muitas menos graves". Os dados do DoVE serão baseados em entrevistas a cerca de 800 pessoas de cada um dos oito países (Portugal, Suécia, Alemanha, Reino Unido, Bélgica, Espanha, Grécia e Hungria). "No limite, queremos mudar leis. Queremos melhores estatísticas para melhor saúde". Um exemplo? "Meter a questão da violência nas consultas. Da mesma maneira que existe a rotina de medir a tensão arterial, era bom que também nos inquirissem directa ou indirectamente sobre este tipo de situações. Uma pessoa não vai ao médico a dizer "bateram-me". Vai dizer que lhe dói a cabeça, o estômago. Vai hoje, não melhora, volta amanhã. Há um consumo maior de cuidados de saúde. Temos de começar a perguntar. Caso contrário, podemos perder uma parte de um problema e que pode ser vital." Abram a porta às equipas da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto que vão contactar pessoas entre os 18 e 64 anos que vivem no Porto, escolhidas aleatoriamente. "É importante que saibam que lhes vamos bater à porta para falar deste tema difícil, que nos recebam e respondam", sublinha Henrique Barros. O facto de a violência doméstica ser um crime público coloca um dilema. O que fazer perante uma pessoa que diz que é batida todos os dias? Ser cúmplice ou denunciar? Nenhuma das duas. Propor ajuda, todo o tipo de ajuda, é a solução. Assim, na pior das hipóteses, a ajuda pode bater à porta.
Música:
- Do you really want to hurt me (Karen Souza)
- Do you really want to hurt me (Karen Souza)
15 comentários:
é assustador , no mínimo ...
bj
teresa
mas a ajuda, tal como dizes pode bater à porta
É assustador, no mínimo, como é que o ser humano consegue ser tão cruel até com aqueles que, supostamente, ama...
Dou todos os dias Graças por nunca ter sofrido nenhum tipo de violência nos meus lares.
A minha melhor amiga, essa sim, sofreu e as sequelas são imensas. :(
um tema actual e um post muito bom... laamentável este tipo de violência tanto ao nível físico como psicológico
beijo
Como referes no teu texto, cada vez começam mais cedo. A própria polícia tem nas esquadras novos posters de chamada de atenção à violência entre namorados.
É extremamente preocupante. uma das condicionantes é o álcool: cada vez se bebe mais cedo e as estribeiras vão por aí abaixo.
Eu própria, deste que a VD é um crime público, já denunciei vizinhos meus por três vezes e falo-ei todas as vezes que forem precisas.
Os crimes de cobardia enojam-me.
Pois é...nem sempre o físico, o visível, é o mais traumatizante.
Gostei de ler. Gostei da música.
Beijos
Deixei para ler com calma este post, que não é apenas um post.
É um artigo, um apelo, um grito, em que vale a pena reflectir.
E não foi escrito por uma mulher, nem as vitimiza. Analisa, informa, impele a agir.
É bom saber que há quem não esqueça e se esforce por ajudar.
Seja em projectos como o DoVE, seja em escritos como estes.
Obrigado, Paulo.
Ainda bem que há gente que se preocupa com estes problemas e tenta fazer algo, não na denúncia deste ou daquele caso, mas no da prevenção e do apoio às vítimas. Por pouco que adiante, de princípio, o importante é começar a fazer algo, num trabalho que se afigura enorme, perante o número de casos conhecidos (fora os desconhecidos).
Por outro lado, o problema da violência doméstica prende-se com algo mais difícil de mudar: a confusão de amor com posse! Os homens, tradicionalmente, estavam habituados a ser o "quero, posso e mando!" de suas casas, de modo que é-lhes difícil aceitar a rejeição da mulher, que julgavam possuir. E o que começa em violência, muitas vezes acaba em morte...
Felizmente muitas mentalidades já mudaram, mas ainda há um longo caminho pela frente em relação às restantes!
Beijocas!
ps - boa música!
Penso (às vezes isto também me acontece) que vivo noutro século!
Porque não é racional que no século XXI ainda aconteçam factos como são a Violência Doméstica, as crianças do Lago Volta, os massacres étnicos, e outros mais!
E ainda mais surpreendente percebermos que os poderes políticos não mostram grande preocupação no sentido de efectivamente eliminar tais situações!
Abraço pah!
É pequeno...é medíocre...é...sem palavras o que ainda se consegue fazer as pessoas..E são marcas eternas!
Infelizmente é mesmo assim...
No coments!
bjks
Mais um post marcante
Abraço
doenças? eu dava-lhes a doença. Aflige-me que se continue a procurar desculpar e a amenizar castigos. Não, não sou pela violência para combater a violência mas uma maior castração de liberdades a quem assim age talvez resolvesse o problema de muitas das vitimas que não se queixam por vergonha, medo e dependência como abordas e bem, mas também por saberem que dentro de dias, semanas ou na melhor das hipóteses meses terão de enfrentar de novo o agressor, que nessa altura estará possuído de raiva "redobrada".
Excelente tema Paulo. Um alerta, sem dúvida.
Abraço e bom fim-de-semana
Enquanto lia este post, não me saía da cabeça uma notícia que soube hoje, ao regressar a casa, sobre um caso ocorido em Montemor o Velho ( creio que durante o fds). Não haverá meio de pôr fim a situações destas? Enquanto continuar a haver homicidas que,à custa de uma declaração médico-forense de inimputabilidade, acabam por ser ilibados, actos como estes continuarão a ser encorajados e, ( desculpa o cepticismo) não há DoVE que o impeça.
gostei de ler este post. Mas infeleizmente já são 25 as vítimas da vilencia domestica. O grande problema é não querer admitir que é vítima. kisses
Qualquer iniciativa é um passo em frente para travar esta barbaridade. Adorei o texto.
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