Olha que pode chover meu filho? Não te esqueças de o levar. Chegou a altura de se lembrarem de mim, este velho e estorvado que fica sempre esquecido em qualquer lado. Pedaço de pano cinzento que vira e revira como um cata-vento. É sempre a mesma história, quando não chove ele que fique para ali esquecido, fechado a um canto ou num bengaleiro se não tem serventia nenhuma, nem para passear. O mais velho, esse nunca me quer levar e pede sempre a gabardina emprestada ao guarda-roupa, diz que lhe chega bem. Se não me quiser levar bem melhor que também não quero ir porque está a chover! De mim só se lembram nestes dias e mesmo assim todos me desprezam e me esquecem! Eu deveria era ser como o outro meu colega, esse sortudo de pano colorido que não faz mais nada do que dar sombra fresca. Fica para lá espetado na areia da praia ou plantado nas esplanadas, de pano esticado a guardar o sol. Mas não, eu não, eu fui feito para apanhar chuva. Digam lá se já alguma vez levaram com uma valente carga de água na cabeça? Se calhar até levaram e de certeza ficaram desejosos ter um assim como eu, sempre disponível e sem abertura automática. Pois eu tenho muito orgulho da minha função e conheço a chuva como as mãos que me seguram a moca. Apanho-a toda, todinha, milhões de pesadas gotas de água fria, empurradas pelo vento que com toda a força morrem derramadas na minha copa impermeável. Fico encharcadinho até às varetas, ensurdecido pelo ruído mas firme à força da tempestade, enquanto outros velhos guardas, batidos pelo vento, cansados e revirados, jazem desfeitos nos passeios ou nas bermas da estrada, em farrapos de lixo. Chegado ao destino, ou por as nuvens me darem tréguas, um movimento rápido me fecha, me deixa húmido e colado à minha própria roupa. Pousado, de novo esquecido, fico a chorar rios de água, do suor do dever cumprido, debaixo de mim o menino ter chegado à escola, abrigado e sequinho, satisfeito por me ter como o amigo que o protege, que o guarda da chuva. E no fim desta história, que o mais velho vos conta, de tão teimoso é bem feito, acaba sempre ensopado a secar os cabelos a um guardanapo.
Pensamento da semana
Há 4 horas
9 comentários:
Coitadinho do guarda-chuva!!! Tem mesmo uma vida tristinha...
Cá em casa é acessório do qual ninguém gosta... :( ... carapuços, corridas para fugir da chuva, tudo menos o "pingarelho"!
Gostei do desabafo :)
Boa 2ª feira, boa semana!
Detesto guarda chuvas. E a avaliar pelo texto sou dos que gosto mais deles! lolol
Um abraço
Pois eu gosto muito do 'bicho', que se quer colorido, grande e forte.
E dá um andar muito elegante também!
Guarda-chuva amigo, eu estou contigo.
Tenho dito!
Olha o que um guarda-chuva pode guardar naquele remoinho de sentimentos que lhe vai na moca!
Ainda bem que desabafou, ou daqui a pouco estaria deprimido, coitado.
Da próxima vez que o abrir, tentarei ser mais compreensiva com ele, mas só se ele prometer que não teima em escorregar-me das mãos, quando tento sair do carro carregada com a carteira, a pasta, o portátil e o telemóvel.....
Eu não lhe qero mal, mas nunca anda comigo pois já perdi uns quantos...vou sempre de gabardine e chapéu :)
Beijinho e boa semana!
Crónica de um guarda-chuva abandonado: sim, porque um guarda-chuva também tem coração (já lá dizia o João Gilberto os desafinados também têm um coração...)
Bjs
Paulo,
os nossos filhos também ADORAM guarda-chuvas não é ???! não consigo que o leve! ainda hoje ele e os amigos não tiveram aulas (greve) foram para casa de um deles, e ficaram toda a tarde, chegaram "ensopados" ... a mãe do jovem obrigou-os a tirarem as calças e vestiram pijamas do dela rsrs e lá as secou mais os blusões na máquina, desculpa deles: "um carro passou e molhou-nos todos"! LOL, valha a verdade, também só ando com sombrinha quando "ela" cai "a potes"!
gostei do post!
agora percebi a poética frase deixada!
boa semana
abraços e um sorriso :)
mariam
Nos trópicos eles também são usados para nos (res)guardar do sol. ;)
Se um guarda-chuva fosse uma mulher, mais valia ser "panisgas"..esqueço-me sempre dele.
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