Passa hoje um quarto de século desde o famoso calcanhar de
Madjer, o gesto mágico que proporcionou uma genuína reviravolta e uma das maiores alegrias da minha vida. O então desconhecido Futebol Clube do Porto vencia o todo poderoso Bayern de Munique com dois
golos que permanecem ainda na memória de todos os portistas e amantes do desporto rei. Afirmação definitiva do clube do meu coração no historial do futebol europeu. E é da
memória que bem guardo, que retiro as circunstâncias alegres e emotivas como vivi esse marcante momento.
Uma semana antes na grande final havia eu assentado praça no quartel da Escola Prática de
Engenharia em Tancos, para o serviço militar obrigatório. Eu, militar?
Só mesmo obrigado!
Após a alvorada daquele dia, 27 de Maio de 1987, as
tropas recrutas fardadas de
equipamento de ginástica formaram na parada do aquartelamento do Casal do Pote. A manhã despontou soalheira mas vindo de leste, encanada entre as camaratas, soprava uma fleumática brisa ribatejana de fazer arrepiar os
esqueletos. O meu estado de espírito não seria dos melhores, não só porque
estava ali numa triste figura, mas sobretudo porque estava certo que não haveria a mínima
possibilidade de via a assistir pela televisão à grande final. Aos recos, conhecidos
também por recrutas, apenas lhes cabia a disciplina e prestar obediência. Só ao
fim de seis semanas de recruta seriamos promovidos a maçaricos e conquistaríamos
o direito de frequentar o bar de praças, local onde sabia existir o único televisor
disponível. Restava-me pois a fé e um rádio a pilhas para me manter informado das
incidências da partida.
Depois do rancho, já a caminho das camaratas, deram-nos a imprevista
e a melhor das notícias. O Sargento Soares, portista dos sete costados e que
mal conhecia, mas que a partir desse dia jamais esqueci, havia desenrascado
uma autorização superior para que todos pudessem assistir à grande final e lá providenciou um aparelho de televisão no refeitório. Após a ceia, impreterivelmente
servida às 18:30h, arrumou-se a sala, alinharam-se as cadeiras e sintonizou-se
a antena para vermos a transmissão da bola.
Quando foi apitado o pontapé de saída, já todos os feijões verdes estavam a dar palpites e a
gracejar insultos ao árbitro. A larga maioria era adepta de outras cores, e
poucos, muito poucos, roíam as unhas. A primeira parte não nos correu de
feição e passou rápida. Ao intervalo, eu e o Neves saímos para verter
águas, inspirar um cigarro retemperador e acreditar. Ao apito do árbitro para a etapa complementar,
voltaram à sala apenas três fiéis adeptos azuis e brancos crentes numa reviravolta. Eu
o Neves e o Sargento Soares, que se juntou a nós dizendo estar farto de ouvir
bocas dos sarjentos mouros! Todos os restantes ou foram engraxar botas ou espreitavam para
nos fazer troça com piadas da praxe. Mal eles sabiam que esses treze heróis (os
onze iniciais mais o Juary e o Frasco) iriam voltar ao campo de batalha para
conquistar a mais bela vitória frente aos bávaros. O famoso calcanhar de Madjer
e depois a rompante arma secreta do plantel portista, o Juary, conseguiram uma das mais genuínas reviravoltas
numa final europeia.
Soado o apito final do jogo e nem foi preciso dizer mais nada. Em delírio, exultados de incontida alegria, abraçados num choro a soluçar como
uns meninos, desatamos a cantar "Porto, Porto" em uníssono enquanto alguns dos descrentes voltavam incrédulos, curiosos com o
que havia sucedido. O capitão João Pinto corria agora louco pelo relvado, com a
taça bem segura pelas mãos pousada na cabeça e eu imitava-o, empunhando firme
as garrafas de cerveja mini que iam parar à minha mão em substituição do
vasilhame. Subitamente um estranho sentimento, misto de euforia e tristeza, se
abateu sobre mim quando me apercebi de que faltava mais qualquer coisa, o mais
importante. Não poderia estar junto de quem queria estar, na festa dos dragões a
festejar pelas ruas da Invicta rodeado das gentes tripeiras. E ali fiquei,
sentado na soleira da porta a nortear o olhar no horizonte que entretanto
escurecia, de pensamento perdido até ouvir o soar da corneta para o recolher.
2 comentários:
Também assisti!
E mesmo não sendo "desse cor" recordo-me vibrar profundamente e de injuriar o J.Magalhães por não ter cortado aquela jogada.
E recordo-me do J.Pinto não dar a taça a ninguém.
E também me recordo da festa que aconteceu aqui no bairro onde se misturaram todas as cores.
E foi muito bonito!
Só não foi bonito que depois de tantos festejos o Juary tivesse sido tão pouco acarinhado...
akele abraço pah!
Já ????????... Estas recordações, com data fazem-me sentir velho ! :)))
Grande feito !!!... e eu vi ! :)))
Abraço !
.
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