quinta-feira, outubro 7

histórias de vida

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Para ele era um trabalho. Todos os dias vinha a pé desde o bairro social até à baixa da cidade. Ficava das sete da manhã à noite, ali na mesma avenida, serpenteando entre carros estacionados e sinais de proibição. Cumpria o seu horário, suportava pacientemente a cara feia dos dias, recebia muitas negas e algumas moedas, dadas com má vontade. Era ao ar livre que as conseguia, de jornal enrolado na mão e acenos espalhafatosos a desenrascar os condutores que passavam por si. E não lhe faltavam clientes, nem concorrência. Muitos saiam do carro de olhos fixos no chão, não querendo ser importunados por nenhum marginal ou drogado. Ignoravam a realidade daquele homem. No final do dia ele juntava o apurado. Dezanove euros e alguns cêntimos que dava à mulher sob o olhar curioso dos seus seis filhos. Um pequeno tesouro se amontoava ali, e tudo era para eles. Roupa e comida na mesa. Um dia lhes dirá como arrumou as suas vidas.



4 comentários:

Dono das galinhas disse...

Muitos dramas se passam à nossa volta sendo que a grande parte das vezes "nos passam ao lado".
Nos casos como o que referes são muitas as situações de dificuldades sérias mas são também muitas as de outra ordem.
Há que saber distingui-las e, se possível, proporcionar-lhes ajuda.

1 abraço pah

redonda disse...

Comecei a olhar para os arrumadores de forma diferente, desde que um deles tentou impedir um roubo na Praça Velasquez e levou um tiro. Revelou ter capacidade de acção no momento e uma grande coragem.

Teté disse...

Em tempos entrevistei alguns arrumadores e a realidade deles passava mesmo pelo mundo da droga, que determinara a sua vida na rua, longe de familiares e sem amigos, por vezes residindo vergonha e culpa nos seus olhos. Outras nem isso, só o viver a vida de cada vez, assegurar a dose diária necessária.

Mas na verdade ao fim do dia - que coisa em comum com a tua personagem era esse longo horário laboral, chamemos-lhe assim - levavam mais dinheiro para casa que muitos trabalhadores por conta de outrem...

Certamente haverá excepções determinadas pelo desemprego actual, mas os primeiros arrumadores eram esses!

Gi disse...

Espero que não tenhas membros do Governo a ler isto, ou ainda se lembram de ir taxar esta profissão.