Saímos do Porto pela manhã cedo. Saindo da autoestrada em Amarante, subimos o Marão até ao Alto de Quintela, entrando no Concelho de Baião. Na descida, viramos para Santa Marinha do Zêzere e na estrada que vem do Marco tomamos a direcção do Peso da Régua. Abrandamos junto ao miradoiro dos Dízimos para apreciar o Douro, deslumbrante, que corria lá no fundo, emoldurado por vinhas e pomais. Lembro-me que era à entrada da freguesia de Frende, no Cruzeiro, que se saia para um caminho estreito e muito a descer. Agora seguimos pela estrada que começa junto à igreja, pelo meio de casas e oliveiras, para chegarmos à terra dos meus avós, ao Lugar do Castelo.
Tia Carolina é a primeira pessoa que nos dá as boas vindas. Sentada no chão à entrada da garagem, à fresquinha, para lá do portão da casa da minha tia Sílvia, faz entrançados com pequenas vergas de giesta, perfeitas e elegantes cestas, a arte que tem sido o seu modo de vida há mais de cinquenta anos. Olhó Paulinho! Bem vindo meu filho, dá cá um beijinho. Tia Carolina é das poucas pessoas que ainda se dedica a esta arte, que já vem do tempo dos seus avós... E se calhar ainda mais para trás... É uma arte muito antiga. Ahhh... fazer isto é tão fácil, depois da gente aprender não custa nada. Estão-se a rir, é ?!
Fazer uma cesta ou um açafate requer muito e duro trabalho. As verguinhas são de uma giesta especial, a piorna. É uma giesta brava que só se dá nas serras e, mesmo assim, não é em qualquer monte que se encontra. Antigamente, arranjar um molho de piorna era um martírio e a gente tinha de ir buscá-la à serra da Gralheira, na outra banda do Concelho de Resende, e às vezes também aos montes de Castro Daire. Ceávamos cedinho e, com uma navalha no bolso e o que houvesse para comer, juntavam-se grupos e partíamos por entre mato e caminhos de cabras, toda a noite a caminhar e a cantar até chegar à serra, ainda antes do amanhecer. Logo, logo, começávamos a cortar as giestas, as vergas finas e as mais grossinhas, que as atávamos em molhos, tudo feito com muito despacho não fossem aparecer os donos dos campos que as queriam para dar ao gado. Carregados com os molhos de giestas ás costas ou à cabeça, abalávamos ligeiros no caminho de regresso a casa, ainda mal o dia despontava. Depois, era um dia inteiro a caminhar, cansados e cheios de fome. Era tão longe! Tão longe que chegávamos a casa com os pés cheios de bolhas e derreadinhos de todo. Às vezes, enquanto descansávamos um pouquinho, aproveitávamos e ali mesmo esfolávamos as vergas, o que quer dizer, para lhes tirar a pele. Assim vínhamos mais leves. Mas não se pode colher vergas numa altura qualquer. Só se corta a piorna nos meses de Março e Abril, ou então em Julho ou Agosto. Tínhamos quatro meses para carregar vergas que dessem para todo o ano. Havia semanas que íamos duas e três vezes buscar as vergas à serra, mulheres e homens que alombavam com os carregos e toda a paciência para fazer cestinhas.
Assim que têm as giestas em casa, a primeira coisa a fazer é esfolá-las. Pega-se num pau, do tamanho de uma mão e racha-se ao meio, como quem racha uma cenoura. Mete-se a ponta da giesta no meio desse pau, aperta-se e puxa-se com firmeza. Quando a giesta sai, também a pele já saiu. As giestas piorno, mais resistentes que a giesta normal, são a matéria prima. Estende-se o miolo da giesta ao sol por uns dois, três dias, até ficarem bem secas e amarelinhas. Outro trabalho de paciência é depois escolher e separar as giestas conforme a grossura. As mais finas para um lado e as mais grossas para outro. Escolhidas que estão, começa-se então a arte de as entrelaçar. As mais finas servem para fazer as cestas pequenas e as mais grossas para os açafates. É preciso demolhar as giestas alguns minutos em água para que fiquem mais fáceis de trabalhar. Pega-se na navalha, a boa companheira para este ofício, e aparam-se as pontas. A primeira coisa que se faz é sempre o fundo. Depois é só enlear e gradear as giestas com os dedos até fazer o talho da cesta e finalmente pôr-lhe a asa. Tia Carolina fica ali sentada, à porta de casa ou à sombra do alpendre da churrasqueira, horas a fio agarrada ao trabalho. Pode à vontade acabar duas dúzias de cestinhas, ou então seis açafates num só dia. Diz que nunca houve falta de procura. Com a venda nunca a gente se preocupou. Antigamente vinham cá os negociantes que nos compravam toda a mercadoria que havia e ainda mais que houvesse. As cestinhas e os açafates vendem-se às dúzias. Nos dias d’ hoje tudo está mais facilitado. A Câmara (a Municipal de Baião através do Centro de Artesanato) empresta-nos a camioneta e o motorista para irmos colher a piorna à serra. Agora os donos já não se importam que a gente lá vá colher as giestas, e todo o trabalho que fazemos está já vendido por bom preço. Faz-me pena que cada vez menos gente queira aprender e se dedique a este trabalho. Quando eu, e outras como eu, largarem o trabalho, talvez isto acabe, o que me faz pena. Oxalá esteja enganada.
Tia, deixe-me felicitá-la por este seu dia de aniversário, estes seus 85 anos cheios de vitalidade e alegria. Agora vou só lá dentro cumprimentar a malta… Ãhhh! O quê meu filho!!! Ai, não fosse eu estar a ficar cada vez mais mouca…
Tia Carolina é a primeira pessoa que nos dá as boas vindas. Sentada no chão à entrada da garagem, à fresquinha, para lá do portão da casa da minha tia Sílvia, faz entrançados com pequenas vergas de giesta, perfeitas e elegantes cestas, a arte que tem sido o seu modo de vida há mais de cinquenta anos. Olhó Paulinho! Bem vindo meu filho, dá cá um beijinho. Tia Carolina é das poucas pessoas que ainda se dedica a esta arte, que já vem do tempo dos seus avós... E se calhar ainda mais para trás... É uma arte muito antiga. Ahhh... fazer isto é tão fácil, depois da gente aprender não custa nada. Estão-se a rir, é ?!
Fazer uma cesta ou um açafate requer muito e duro trabalho. As verguinhas são de uma giesta especial, a piorna. É uma giesta brava que só se dá nas serras e, mesmo assim, não é em qualquer monte que se encontra. Antigamente, arranjar um molho de piorna era um martírio e a gente tinha de ir buscá-la à serra da Gralheira, na outra banda do Concelho de Resende, e às vezes também aos montes de Castro Daire. Ceávamos cedinho e, com uma navalha no bolso e o que houvesse para comer, juntavam-se grupos e partíamos por entre mato e caminhos de cabras, toda a noite a caminhar e a cantar até chegar à serra, ainda antes do amanhecer. Logo, logo, começávamos a cortar as giestas, as vergas finas e as mais grossinhas, que as atávamos em molhos, tudo feito com muito despacho não fossem aparecer os donos dos campos que as queriam para dar ao gado. Carregados com os molhos de giestas ás costas ou à cabeça, abalávamos ligeiros no caminho de regresso a casa, ainda mal o dia despontava. Depois, era um dia inteiro a caminhar, cansados e cheios de fome. Era tão longe! Tão longe que chegávamos a casa com os pés cheios de bolhas e derreadinhos de todo. Às vezes, enquanto descansávamos um pouquinho, aproveitávamos e ali mesmo esfolávamos as vergas, o que quer dizer, para lhes tirar a pele. Assim vínhamos mais leves. Mas não se pode colher vergas numa altura qualquer. Só se corta a piorna nos meses de Março e Abril, ou então em Julho ou Agosto. Tínhamos quatro meses para carregar vergas que dessem para todo o ano. Havia semanas que íamos duas e três vezes buscar as vergas à serra, mulheres e homens que alombavam com os carregos e toda a paciência para fazer cestinhas.
Assim que têm as giestas em casa, a primeira coisa a fazer é esfolá-las. Pega-se num pau, do tamanho de uma mão e racha-se ao meio, como quem racha uma cenoura. Mete-se a ponta da giesta no meio desse pau, aperta-se e puxa-se com firmeza. Quando a giesta sai, também a pele já saiu. As giestas piorno, mais resistentes que a giesta normal, são a matéria prima. Estende-se o miolo da giesta ao sol por uns dois, três dias, até ficarem bem secas e amarelinhas. Outro trabalho de paciência é depois escolher e separar as giestas conforme a grossura. As mais finas para um lado e as mais grossas para outro. Escolhidas que estão, começa-se então a arte de as entrelaçar. As mais finas servem para fazer as cestas pequenas e as mais grossas para os açafates. É preciso demolhar as giestas alguns minutos em água para que fiquem mais fáceis de trabalhar. Pega-se na navalha, a boa companheira para este ofício, e aparam-se as pontas. A primeira coisa que se faz é sempre o fundo. Depois é só enlear e gradear as giestas com os dedos até fazer o talho da cesta e finalmente pôr-lhe a asa. Tia Carolina fica ali sentada, à porta de casa ou à sombra do alpendre da churrasqueira, horas a fio agarrada ao trabalho. Pode à vontade acabar duas dúzias de cestinhas, ou então seis açafates num só dia. Diz que nunca houve falta de procura. Com a venda nunca a gente se preocupou. Antigamente vinham cá os negociantes que nos compravam toda a mercadoria que havia e ainda mais que houvesse. As cestinhas e os açafates vendem-se às dúzias. Nos dias d’ hoje tudo está mais facilitado. A Câmara (a Municipal de Baião através do Centro de Artesanato) empresta-nos a camioneta e o motorista para irmos colher a piorna à serra. Agora os donos já não se importam que a gente lá vá colher as giestas, e todo o trabalho que fazemos está já vendido por bom preço. Faz-me pena que cada vez menos gente queira aprender e se dedique a este trabalho. Quando eu, e outras como eu, largarem o trabalho, talvez isto acabe, o que me faz pena. Oxalá esteja enganada.
Tia, deixe-me felicitá-la por este seu dia de aniversário, estes seus 85 anos cheios de vitalidade e alegria. Agora vou só lá dentro cumprimentar a malta… Ãhhh! O quê meu filho!!! Ai, não fosse eu estar a ficar cada vez mais mouca…
2 comentários:
Oh que maravilha, já restam tão poucos a saber desta arte.
Muitos parabéns Tia Carolina :)
É admirável a habilidade dos artesãos nas diversas actividades e feitura dos produtos regionais.
Infelizmente não se vislumbra maneira de preservar essas actividades.
E quem compra esses produtos não valoriza todo o trabalho envolvido.
Quisera (também) ter viajado por esse Douro acima...
Akele abraço, pah!
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