quinta-feira, outubro 29

o trovão e o vento

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Ao romper da manhã, toda a planície se tornou cor de ouro. Cânticos tribais ecoaram ferozes pelo ar. Era a manhã do terceiro dia de viajem. Mangas Coloradas e os seus guerreiros Apaches cavalgavam agora em silêncio, pelos trilhos secos do vale. Deixaram há muito a sua aldeia adormecida, entregue a dois velhos, algumas mulheres e poucas crianças. O despertar calmo do vale de Santa Cruz, o brilho prateado do Rio Grande que atravessava o vale, servia de bebedouro aos animais, arrefecendo o clamor do combate que os brados dos Apaches inflamavam os seus corações de vingança.

No silêncio do desfiladeiro, tudo parecia escutá-los, até as próprias montanhas. Perfilados e de orgulho ferido, rumavam em direcção aos ranchos dos invasores. - Lembro-me de minha mulher, a doce Alope, e dos meus filhos, mortos pelos caras-pálidas, disse o chefe Geronimo, com uma contracção dolorosa no rosto duro, curtido pelo sol. - Por isso, o meu coração não tem paz. Mas esta guerra é sem esperança para nós. Mais mulheres e crianças Apaches morrerão se não fizermos a paz com os caras-pálidas. Um dos mais jovens guerreiros levantou orgulhosamente a cabeça e vociferou. - Geronimo fala como um velho. Só os velhos perdem a vontade de lutar! Com um gesto pesado Geronimo apontou à sua frente. - Vê, Jumano! Esta é a terra árida, desolada, onde os Apaches, agora, têm de viver. Somos apenas 19 guerreiros, 19 homens válidos. O povo Apache tornou-se uma sombra de si mesmo. Continuamos a lutar e a morrer… mas o tempo das nossas vitórias acabou! Agora chegou o tempo de parlamentar! Um clarão feroz faiscou nos olhos escuros de Jumano. - Geronimo quer fazer um tratado com os nossos inimigos!? Sabendo que as promessas dos brancos são como palavras escritas na areia, que o vento depressa varre e apaga. Quem se lembrará delas? Eu não me renderei nem morrerei pela fome. O sangue dos meus antepassados corre-me nas veias, clamando vingança.

A manhã ia quase a meio, o sol fustigava os picos da Sierra Madre. Uma águia planava nessa luz dourada, soltando gritos agudos que os ecos repetiam, como um apelo, de quebrada em quebrada. Geronimo aproximou-se do companheiro e, num tom seco, clamou. - Ainda sou o teu chefe. Se me desobedeceres morrerás às mãos desses brancos. Estás preparado para morrer, Jumano? Os músculos do jovem guerreiro desenharam-se sob a pele de cobre, como cordas tensas, e um esgar de selvagem ferocidade contorceu-lhe as feições. Hesh-Ké! gritou em voz gutural, o feroz grito de guerra dos Apaches. Com um salto ágil, Jumano montou a cavalo, reuniu alguns dos seus companheiros e partiu para o território das caçadas eternas, onde nenhum Apache teria de se subjugar ao domínio do homem branco. Enfrentou os soldados da cavalaria, ficou cercado e resistiu enquanto teve balas. Os seus companheiros foram abatidos um a um. Sozinho, sem o cavalo, que jazia a seu lado, Jumano preferiu a morte à rendição. Uma rajada de balas ceifou-o e caiu sem um gemido, os olhos voltados para o céu, para os cumes azuis da Sierra. Antes de fechá-los para sempre, lembrou-se das palavras de Geronimo: “O tempo de combater acabou para todos os Apaches”.

Eu gostava de ver os filmes do faroeste, filmes de orgulhosos índios, os Apaches, os Sioux, e Comanches, mas que eram sempre retratados como os maus da fita. Eram constantemente vencidos pelos soldados de casacas-azuis. Mais tarde surgiram alguns filmes que exploraram o lado bom dos índios, mas o mal já estava feito. Nas histórias do Oeste, que lia em livros de banda desenhada, sempre estive do lado deles. Via-os com outros olhos, que nem todos eram tão maus e apenas defendiam a sua terra, tradições e sobrevivência com unhas, dentes, arco e flechas.



8 comentários:

liamaral disse...

Para mim, filme onde entrassem indios, eram eles os meus herois, sem dúida. Eles só queriam que os deixassem em paz, nas suas terras, com as suas crenças e costumes! O "povinho" é que ia para lá estragar tudo!
Bela históris, aliás, como sempre nos foste habituando. Boas histórias, bem contadas e muito, muito bem sentidas!
:) Beijinho e Parabéns mais uma vez!

Patti disse...

Os sioux nem pensar, aquilo era gente um bocado bárbara, com rituais animalescos.
Os outros tudo bem. Mais os kiowas, os navajos, os moicanos.
Mas olha lá, estás a pensar num argumento para um novo western? Levas muito jeito e com esta música, parecia que estava mesmo lá.

Viste búfalos?

Si disse...

Por momentos recuei para o tempo da televisão a preto e branco e senti o entusiasmo juvenil da moda dos filmes de 'índios e cábois'.
E aposto que esta terá sido a verdade de muitas das estórias que se contam da História.

paulofski disse...

Patti, o que conto recordo mais ou menos das histórias que lia fascinado no livros de banda desenhada e com a estimada ajuda que a internet me dá.

Nesta viajem infelizmente vi poucas manadas de búfalos. Mas vi o Bill, lá prós lados de Passo Apache, na companhia de Calamity Jane e de Touro Sentado.

Rafeiro Perfumado disse...

Eu desde o Brokeback Mountain voltei a preferir filmes sobre os índios...

Teté disse...

É o costume dos americanos: eles são sempre os bons da fita. E o que vamos vendo, à medida que o tempo passa e abrimos mais os olhos, é que a verdadeira História não foi exactamente como eles ainda a contam... ;)

Beijocas!

PB disse...

Pois é. É verdade, os índios eram sempre os maus da fita...
Também gostava e gosto ainda de ver filmes de índios.
Abraço e bom fds

Gi disse...

Sabes o que comprei ontem na FNAC? "O Diário de Calamity Jane à filha"; muito interessante.