terça-feira, junho 23

a noitada

Partilhar

À hora marcada, respondendo ao chamamento inebriante de um aroma apetitoso de odores doces e salgados, fortes e quentes que pairavam no ar, lá estávamos nós prontos e esfomedados para uma noite tradicional de euforia. Ao virar da esquina, contornando-se a barraquinha de tiro ao alvo, onde bonecos de variados tamanhos e tipos, caixas de jogos de lençóis, pratos pintados e garrafas de vinho se exibiam em recompensa, logo se descobriam os arredondados bolbos de alho-porro a dançar sobre as cabeças e irritando narizes. O cheiro a sardinhas e pimentos assados era cada vez mais intenso e atraente, um sinal de ansiedade para os nossos estômagos. Depois vinha o caldo verde com broa, as fêveras e o frango assado, tudo muito bem regado com o verde branco da casa e a inseparável Super Bock. O Porto inventou a noitada de São João e ela tinha sempre início nas Fontainhas. Música popularucha a sair alta e distorcida dos altifalantes, misturada com a barulheira de apitos, os vozeirões de cantorias e risadas dos tripeiros, pequenos grupos de todas as idades que se juntavam espontaneamente, formando rusgas de foliões cada vez maiores, de mãos dadas, serpenteando em correrias animadas entre mares de gente com ramos de cidreira e martelos de plástico na mão. Dali à Ribeira era um tirinho, quando se descia em louca correria as calçadas do burgo para se chegar a tempo de assistir à largada de balões e ao fogo-de-artifício. Depois, para voltar, era só escalar a Rua de S. João e a Mouzinho da Silveira até à Praça, sem antes atestarmos as panças com o carburante de cerveja. No palco montado na Praça, o conjunto musical levava a populaça à loucura total, e nem esse bailarico todo levava o pessoal a dar sinais de cansaço pois muito havia ainda a percorrer. Bora lá até ao Palácio? Bora lá! E a noite prosseguia nas voltas dos carrocéis, das cestas, à volta da mesa das barracas de farturas. Entretanto dava-se início ao mini campeonato sanjoanino de matraquilhos. Quem chegasse primeiro tinha o direito de escolher o parceiro, os restantes matrecos ficavam para a equipe adversária. A cada moeda de 5 escudos, o pessoal dava o seu melhor e o bota-fora era o esquema implantado para que ninguém reclamasse do árbitro. Enquanto alguns já jaziam deitados nos jardins do palácio, sucumbindo às marteladas nos braços das amadas, o maralhal rumava alegemente, entre chuvadas de marteladas, em direcção à Rotunda da Boavista, para nova rodada de divertimentos e de louras fresquinhas. Às tantas, já a luminosidade e a orvalhada matinal se faziam sentir, quando os bravos guerreiros se erguiam da ressaca e corajosos, aos pares, davam início à última e longa caminhada Avenida da Boavista abaixo para finalmente sucumbirem, também eles, ao cansaço e extremos báquicos no areal das praias da Foz, assim numa espécie de desfrute final da noitada de festa. Há diversos rituais da noite de S. João que desapareceram ou vão escasseando. Este ritual de percorrer quase toda a cidade, numa longa e bem regada noitada em êxtase, deixei-a para outros mais jovens a fazerem perdurar às mudanças do tempo. Agora, crescido, envelhecido e mais tranquilo, percorro a cidade com outros olhos, junto do meu amor, numa noitada de São João. Só mais uma coisa. Ontem à tardinha, enquanto esperava pelo semáforo verde numa das artérias da cidade, não resisti ao sorriso meigo e pedido tímido que uma linda menina me fez, o tradicional: Ó senhor, dê uma moedinha ao São João!

8 comentários:

Tó disse...

Este São João, vai ser especialpara Voçês, a verem o rebento a ganhar asas e ir para Paris.

Boa festa Mano

Teté disse...

Bom, mas que grande caminhada... O Santo António é idêntico em Lisboa, excepto que se circula quase exclusivamente nas mesmas vielas de Alfama e Mouraria ou Bairro Alto e não tem alhos porros, nem martelinhos. Tem as marchas e muitos mangericos com quadras populares! Quer dizer, isto da última vez que fui, que já não vou para o Santo António há anos.

E quando era miúda, também pedia um tostãozinho para o santo António, mas foi tradição que se perdeu, que nunca mais vi ninguém em semelhante peditório...

Com ou sem noitada, bom São João para ti!

Beijocas!

Kok disse...

São João bem "comido" e bem "regado".
É o que se espera!
E é também o que te espera!
Abraço, pah!

Sandra. disse...

:))

até me arrepiei paulofski, ainda ontem ao jantar falamos sobre isso, a tradição, o correr as nossas ruas, todos de mão dada, trocar piadas c outras rusgas, sorrisos sinceros, amizade no ar, divertimento, cansaço ao fim de uma noite "louka".

O avistar a avenida da boavista, era o inicio do fim (lolollll), descer akilo tudo até à praia, uiiiiiiiiii. BELOS TEMPOS, n sabes o q lamento pelos meus filhos já n poderem viver o q vivi em noitadas de s.joão :) Na verdade n fui a tantas como isso, mas nas q participei, ficarão para sempre gravadas no meu coração :))

xinhinhus pa tu da lua

Gi disse...

Eu dou uma moedinha ao S.João para ver o milagre da reaparição da tua pessoa nos blogues amigos, pá!

ψ Psimento ψ disse...

Eu também adoro o S. João é uma das festas que vou recordar vá para onde for. Alias o Porto será sempre a minha cidade. Quem sabe ontem até não te dei uma martelada e nem reparamos! Um abraço

Patti disse...

Eu dispenso toda a bebida, mas a alegria, a tradiçón e a comida…vivam elas.

E Post Sentido este, menino Paulo

VAP disse...

Sentido! Obrigada!